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TRISTEZA
Produzido em oficina de ficção coordenada por Irene Moutinho
Tarefa: através de uma história passada em um shopping, descrever uma situação de tristeza sem falar de forma explicita o sentimento.
Por Aracy Leal Marinho de Andrade
Eu precisava de um par de mocassins azul-marinho. Daqueles com franjinha, nozinhos, continhas que poderiam ser douradas ou prateadas. Nada comporia melhor a minha roupa do que mocassins azuis-marinhos com salto.
Um outlet fora da cidade me garantiria a compra, por certo.
Na porta do outlet havia uma palmeira-de-madagascar. Linda, de roubar a cena. Fiquei com vontade de ficar por ali a contemplá-la, mas o tempo não me permitia. Nem o tempo do relógio e nem o do clima: começava a chover.
O outlet é extremamente confortável porque não tem pedras portuguesas das calçadas das ruas por onde caminho. Podia andar à vontade, sem medo de tropeçar. E caminhei. Entrei na primeira loja e indaguei por mocassins. Não havia mais. Tinham ficado cafona, conforme disse a vendedora, oferecendo scarpins azuis. “-Não, obrigada.” E saí. Na segunda loja, encontrei um estilo mais clássico e admiti que meus mocassins estariam lá. Não tinham o que desejava. E continuei, esperançosa, meu intento: comprar mocassins azuis-marinhos com salto. Respirei fundo e prossegui. Rasteirinhas me eram mostradas como se pudessem fazer as vezes de mocassim. Sapatos de solado inteiro tinham substituído os mocassins. Sapatos de borracha. Sapatos de plásticos. Tênis. Estava quase convencida que os mocassins não mais existiam ou eram fruto da minha imaginação.
Até que do outro lado, refletida na vitrine, observei uma senhora calçando mocassins com salto. Ela parecia minha avó. Uma sobrepeso que não enfrentava saltos e era feliz com mocassins e pelejava por algum modelo que não lhe apertasse os joanetes.
Não! Não era ninguém refletida na vitrine. Tratava-se apenas de um fruto da minha imaginação, que lidava, tanto quanto a minha avó, com a dificuldade de encontrar calçados confortáveis.
O escasso tempo me obrigou a interromper a procura.
Passei pela palmeira-de-madagascar e lembrei-me de uma poda malfeita que impôs seu sacrifício. A casa da vovó, a mesma dos mocassins, também teve sua palmeira.